Cientistas apagam genes e criam cana que produz mais açúcar e biomassa
As plantas receberam o nome de Cana Flex I e Cana Flex II, e ainda são cultivadas apenas em fazendas experimentais
Cientistas brasileiros anunciaram nesta semana uma criação inédita no mundo: duas variedades de cana manipuladas e não-transgênicas, as chamadas DNA-Free. Para obter as plantas, alguns genes específicos foram silenciados e não transplantados de uma variedade para outra, provocando a alteração no seu DNA. Por isso, não são consideradas transgênicas.
Segundo os pesquisadores, que atuam na Embrapa Agroenergia (DF), uma das canas tem maior digestibilidade da sua parede celular e a outra, maior concentração de sacarose em seus tecidos. Isso resolveria três desafios do setor: aumentar a produção de etanol de primeira e segunda gerações (o que é feito a partir do bagaço), ampliar a produção de açúcar e gerar mais bioprodutos.
As plantas receberam o nome de Cana Flex I e Cana Flex II, e ainda são cultivadas apenas em fazendas experimentais.
Na Cana Flex I, um gene responsável por deixar a parede celular da planta mais rígido foi silenciado e isso aumentou a sua digestibilidade, permitindo maior ataque de enzimas durante um processo químico que ocorre dentro da planta para extrair compostos da biomassa.
A outra variedade, a Cana Flex II, foi criada a partir do silenciamento de um gene do tecido da planta e isso resultou no aumento da produção de sacarose.
Hugo Molinari, um dos autores da criação, disse que a variedade teve um aumento de 15% de sacarose e ainda, de outros tipos de açúcares como glicose e frutose.
Nas folhas da planta, a concentração de açúcar aumentou 200%, e no processo de conversão de celulose em açúcar industrial, houve um incremento de 12%.
Segundo o pesquisador, essa variedade C é mais adequada ao processamento industrial e gera um bagaço com maior digestibilidade para a alimentação animal (o subproduto da cana é usado para alimentar gado, por exemplo).
Edição de genomas A técnica de edição de genes utilizada na criação das duas canas, chamada CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), foi descoberta em 2012 e suas autoras ganharam, em 2020, o Prêmio Nobel de Química.
A tecnologia usa uma enzima para cortar o DNA em pontos determinados, modificando regiões específicas. “Não houve a modificação do DNA das plantas, mas o silenciamento dos genes”, disse. De acordo com o cientista, a edição genômica permite a manipulação do DNA de forma mais precisa, rápida e econômica quando comparada à transgenia.
“A tecnologia [CRISPR] tem permitido uma democratização do uso da biotecnologia na agricultura permitindo que mais espécies sejam beneficiadas”, explica Molinari.
Segundo ele, o custo estimado para o desenvolvimento de uma planta transgênica é de cerca de US$ 136 milhões e, entre 30% e 60% desse valor, é destinado às etapas de desregulamentação.
Variedades podem aumentar exportação A descoberta de uma cana que gera mais açúcar pode colocar o país na liderança do comércio mundial do produto, segundo economistas. Na safra 2020/2021, a produção total de açúcar no mundo foi de 188 milhões de toneladas e o Brasil foi responsável por produzir 39 milhões de toneladas, 21% da produção mundial.
A economista Rosana Guiducci, que também é da Embrapa, disse que, no cenário mundial da cultura da cana, existe uma previsão de crescimento mundial de açúcar estimado em 13% em relação a safra 2019/2020 e, para o Brasil, o aumento esperado é de 32%.
“O aumento das exportações brasileiras é estimulado, sobretudo, pela redução na oferta mundial devido a adversidades climáticas, como geadas, em importantes países produtores da Ásia e pela desvalorização cambial”, disse Rosana. Os principais destinos do produto bruto são os mercados asiáticos, além de nações que possuem polos de refino, como a Arábia Saudita e a Argélia.
No Brasil, as exportações de açúcar somaram 28,85 milhões de toneladas em 2020, 45% a mais que o ano anterior, quando foram exportados 18,9 milhões de toneladas.