Maiores traders de commodities entram na transição energética

Os líderes do mercado estão investindo em energias renováveis e buscando o crescimento em negócios promissores como o de negociação de carbono, ao mesmo tempo em que continuam investindo em projetos de petróleo na expectativa de possíveis problemas de fornecimento na próxima década

Negociando commodities desde os anos 90, Bill Reed começou a achar que já poderia ter visto de tudo e que as coisas começariam a ficar “um pouco enfadonhas”. Mas isso foi antes de governos, consumidores e bancos começarem a apostar na transição energética. “Há muito tempo não estou tão otimista com nosso setor como agora”, disse ao “Financial Times” o presidente executivo da Castleton Commodities International. “Uma coisa certa é que nos próximos 15 a 30 anos ele não será nem um pouco parecido com o que foi nos últimos 15 a 30.”

Os combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, vêm recompensando bastante os traders de commodities que enfrentam a volatilidade de mercado extrema da pandemia. Mas o setor agora vê o afastamento dos hidrocarbonetos não como uma ameaça, e sim como uma oportunidade de lucro, uma vez que esse processo parece ajudar o mundo a caminhar em direção a formas de energia mais limpas. Os líderes do mercado estão investindo em energias renováveis e buscando o crescimento em negócios promissores como o de negociação de carbono, ao mesmo tempo em que continuam investindo em projetos de petróleo na expectativa de possíveis problemas de fornecimento na próxima década.

A corrida por um papel maior nas energias solar, eólica e no hidrogênio não é livre de riscos. Esses mercados são muito competitivos e com retornos muito menores que os dos negócios com petróleo. A estratégia de mão dupla de investir nas energias limpas e nos combustíveis fósseis deixa as companhias vulneráveis a acusações de “greenwashing” [ou lavagem verde, termo que indica a apropriação injustificada de virtudes ambientalistas por empresas, governos ou pessoas] da parte de ativistas, que exercem uma influência crescente sobre o mundo corporativo.

Mas segundo JF Lambert, um consultor e ex-banqueiro especializado em financiamento comercial, “os grandes traders de petróleo estão ganhando tanto dinheiro no momento, que podem se dar ao luxo de cometer alguns erros”. Para Jeremy Weir, presidente executivo da Trafigura, não há contradição numa abordagem de via dupla porque a mudança para os combustíveis e eletrificação limpos não pode acontecer da noite para o dia. “Não podemos desligar as luzes”, disse Weir no FT Commodities Global Summit realizado na semana passada.

A Trafigura anunciou que pretende produzir ou comprar 2 gigawatts em projetos de armazenagem de energia solar e eólica por meio de uma joint venture. Ela espera investir cerca de US$ 2 bilhões até 2025, com a energia e renováveis devendo ser “um terceiro pilar muito forte” de seu negócio, segundo Weir. “Acho que isso poderá dar uma contribuição significativa para os lucros de nossa companhia”, disse. “Dentro de cinco anos e definitivamente em dez anos.”

Ao mesmo tempo que constrói sua unidade de energia e renováveis, a Trafigura aplica ? 7,3 bilhões na compra de uma participação de 10% na Vostok Oil, um gigantesco projeto no ártico russo apoiado pelo presidente Vladimir Putin. “Esse petróleo será necessário para a transição energética”, disse Weir. Em troca de seu investimento na Vostok, a Trafigura terá acesso a barris de petróleo baratos da Rússia para conduzir suas enormes operações de trading.

A Vitol, maior trader independente de petróleo do mundo, também investiu no projeto no Ártico, anunciando neste mês um acordo para a compra de participação de 5% na Vostok. Russell Hardy, seu presidente executivo, acredita que a demanda por petróleo vai se recuperar ao nível pré-pandemia de 100 milhões de barris/dia no ano que vem, com esse número devendo aumentar para 105 milhões- 100 milhões de barris/dia antes de atingir o pico em 2030. “Haverá uma lacuna entre 2025 e 2035 em termos de produção de petróleo, comparado à demanda, e desse modo sentimos que podemos investir algum capital nesse período”,. Disse Hardy no evento promovido pelo “Financial Times”.

A Vitol também investiu US$ 1 bilhão este ano em ativos de xisto nos Estados Unidos. Jeff Dellapina, diretor financeiro, vê papel para as traders de commodities no financiamento da produção de petróleo, no momento em que as grandes empresas de energia e os bancos recuam e deixam déficit de financiamentos. “Isso ajudará, mas não preencherá a lacuna”, disse.

Hardy insiste que o foco da Vitol será em projetos de transição energética, em especial energias renováveis, área em que já empenhou US$ 1 bilhão em capital. Ele também acredita que os negócios com energia se tornarão uma “competência central” da companhia por causa da necessidade de entender como os mercados de eletricidades funcionam num mundo em processo de descarbonização. “Eles são mais complexos pela maneira como seus preços são fixados, comparado aos mercados de petróleo, porque são muito localizados”, disse ele.

A Gunvor, de Genebra, é outra trader que pretende aumentar as negociações de energia, mas continuará negociando petróleo, pelo qual prevê forte demanda pelos próximos dez anos, além de gás natural de queima mais limpa, que a empresa vê como grande combustível de transição. “O carvão é a espinha dorsal da geração de energia e em diferentes partes do mundo seu uso na verdade está aumentando”, disse Torbjörn Törnqvist, presidente executivo e cofundador da Gunvor, no evento do “Financial Times”. “O substituto mais próximo é o gás natural.”

Enquanto isso os negócios com carbono vêm despertando a atenção do setor, na medida em que os governos consideram mecanismos para fixar os preços dos danosos gases do efeito estufa. “Muitas das contrapartes são grandes emissores”, disse Marco Dunand, cofundador da Mercuria, que vai direcionar metade dos investimentos para projetos de transição energética. “E todas elas estão em busca de solução para reduzir suas emissões de carbono”, afirmou. “Há um grande potencial de negócios aí”, acrescentou Alex Sanna, diretor de marketing de petróleo e gás da Glencore. “Os mercados de carbono terão um crescimento exponencial.”

Hannah Hauman, diretora de negociações de carbono da Trafigura, disse na conferência que o carbono tem o potencial de ser dez vezes maior que o mercado de petróleo. No entanto, não está claro se esses novos mercados poderão ser tão lucrativos quanto o petróleo, que ajudou Gunvor, Trafigura, Vitol e Glencore a registrar lucros recorde no ano passado.

A unidade de energia e renováveis da Trafigura, que inclui carbono, perdeu dinheiro nos seis meses até março, embora ela espere ser lucrativa na segunda metade de seu ano financeiro. “Quando você negocia elétrons, está negociando a cada segundo. Não há armazéns ou tanques para estocar elétrons. Não há navios”, disse Lauren Segalen, banqueira de investimentos especializada em energias limpas e fundadora da empresa de consultoria Megawatt-X. “Portanto, não vejo nos negócios com energia o mesmo tipo de lucro que o obtido nos negócios com petróleo e gás.”

Nigel Scott, diretor global de comércio estruturado e finanças de commodities da Sumitomo Mitsui Banking Corporation, acredita que o desafio para as traders de commodities e as novas entidades que elas estão estabelecendo, é que elas “terão uma margem menor… e esse será um negócio mais do tipo serviço público”. “Esse é um grande passo no desconhecido para a maioria das traders de petróleo. Mas não há outra alternativa”, disse Lambert.

Fonte: Udop – Imagem: Gran Milho