Sobram recursos na linha BNDES RenovaBio
Há uma insegurança para a realização de investimentos não só no agronegócio, mas em outros setores, provocada pela instabilidade política e econômica no Brasil
A linha de crédito do BNDES para apoiar usinas de biocombustíveis na redução da pegada de carbono de sua produção ainda tem metade dos recursos à disposição. O banco ofertou R$ 2 bilhões, mas, nas nove operações realizadas no último ano e meio, os desembolsos somaram apenas R$ 782,4 milhões. Há uma operação de R$ 100 milhões já aprovada, com recursos ainda não liberados, e R$ 240 milhões em análise, o que resulta em R$ 877 milhões ainda disponíveis.
A linha foi criada em junho de 2021 com aporte inicial de R$ 1 bilhão, e em junho do ano passado o BNDES anunciou um reforço de R$ 1 bilhão, sob a alegação de que a demanda estava aquecida e era necessária uma complementação até o fim de 2022. Com a ociosidade, porém, o banco prorrogou a linha por mais dois anos e fez ajustes para torná-la mais atrativa, reduzindo a remuneração básica em 0,2% ao ano.
“Há uma insegurança para a realização de investimentos não só no agronegócio, mas em outros setores, provocada pela instabilidade política e econômica no Brasil. Essas incertezas colocaram grande parte dos aportes no agro em análise e reavaliação”, diz Guilherme Nastari, sócio da Datagro Financial. A consultoria, em parceria com a BF Capital, prestou assessoria para três operações – duas da Usina Coruripe e uma da Usina Ferrari -, que tomaram no total R$ 267,3 milhões pela linha.
O cenário do ano passado também foi marcado por mudanças regulatórias nos biocombustíveis promovidas pelo governo Bolsonaro, como a redução da mistura de biodiesel ao diesel de 13% e 14% para 10% e a desoneração da gasolina, que tirou competitividade do etanol hidratado, além da pressão da inflação e da alta da Selic. Esses fatores perduram, o que mantém a cautela no ar.
A linha tem taxas de juros próximas às de mercado, mas prevê redução à medida que a usina aumentar para certos patamares a quantidade de Certificados de Descarbonização (CBios) gerados por biocombustível produzido, no âmbito do programa RenovaBio. Cada CBio equivale a 1 tonelada de carbono de emissão evitada com a troca de combustível fóssil por biocombustível. Dessa forma, quanto mais se diminui a emissão no uso de um biocombustível por causa de mudanças em seu sistema de produção, maior o abatimento no custo do financiamento.
As taxas podem ser reduzidas em 0,2% ao ano caso a relação entre litros produzidos e CBios alcance ao menos metade da meta. Ou em 0,4% caso alcance ao menos a integralidade da meta, o que garante o diferencial da linha em relação a outros instrumentos de mercado. Por outro lado, se a unidade produtora elevar as emissões de gases-estufa no processo produtivo, a taxa de juros sobe.
A meta de melhora da relação entre litros de biocombustível e CBios depende da tecnologia. Há metas específicas para usinas de etanol hidratado feito a partir da cana, para usinas processadoras de grãos e para produtores de biometano (substitui o diesel nas frotas pesadas).
A usina pode solicitar a redução da taxa quando for renovar a certificação de sua produção – etapa que define quantos CBios ela pode emitir por volume de biocombustível, e que leva em conta a metodologia de análise de ciclo de vida (ACV) para o cálculo das emissões desde a produção da biomassa até a queima do biocombustível nos motores. Os produtores são obrigados a renovar sua certificação a cada três anos, mas podem antecipá-la caso percebam que mudanças produtivas reduziram o volume de suas emissões, permitindo que gerem mais CBios.
Outro atrativo da linha é o prazo de oito anos para quitar o financiamento. Para Luis Gustavo Diniz Junqueira, diretor da Usina Batatais – uma das empresas que tomaram crédito na linha -, esse prazo não tem paralelo em instrumentos no mercado privado, mesmo em modalidades ESG. A Batatais, que contratou R$ 65 milhões pela linha, pretende pleitear uma redução da taxa já neste ano, quando deverá atualizar sua certificação no RenovaBio.
Muitas usinas deverão revisar suas certificações neste ano, já que boa parte dos produtores fizeram suas primeiras certificações em 2020 e estão completando o ciclo de três anos agora. Até o momento, 67 unidades produtoras de etanol e biodiesel já concluíram seu processo de recertificação, dentre 323 plantas certificadas para participar do RenovaBio.
Junqueira diz que a Batatais não encontrou dificuldades para acessar a linha. A única exigência é que a empresa faça parte do RenovaBio e apresente licença ambiental ativa. Não é necessário apresentar planos de redução de emissões, e a constituição de garantias é flexível para cada caso – as garantias podem ser reais, como ativos e recebíveis, ou pessoais, como fiança.
Fonte: Valor Econômico