Governo prepara leilão para contratar energia de usinas a biomassa
Mesmo com setor elétrico em alerta, bioenergia segue subaproveitada
O Ministério de Minas e Energia deve realizar em breve uma licitação para fechar a compra da produção de usinas de geração de eletricidade movidas à biomassa, o que ocorre diante de uma crise hídrica que tem pressionado o nível dos reservatórios das hidrelétricas do Brasil.
A informação foi confirmada após a imprensa ter publicado que usinas de cana-de-açúcar vinham conversando com membros do governo sobre medidas que poderiam permitir uma maior geração de energia em suas instalações, com vistas a apoiar o sistema elétrico. “A previsão é de que a portaria de consulta pública das diretrizes do leilão de contratação de biomassa seja publicada até o final deste mês”, disse o ministério em nota.
Levantamento da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) apontou que centrais movidas a biomassa principalmente de bagaço de cana poderiam gerar 1.249 gigawatts-hora (GWh) adicionais em energia entre julho e dezembro de 2021 e mais que o dobro disso em 2022 com medidas de incentivo do governo, como um leilão emergencial para compra da produção extra.
Bioenergia segue subaproveitada
Ao mesmo tempo que a falta de chuvas coloca reservatórios de hidrelétricas em alerta e acende um sinal amarelo sobre possíveis restrições no fornecimento de energia no Brasil este ano, fontes alternativas continuam subaproveitadas. A bioeletricidade é uma energia renovável, feita a partir da biomassa: resíduos da cana-de-açúcar (bagaço e palha), restos de madeira, carvão vegetal, casca de arroz, capim-elefante e outras. No Brasil, 80% da bioeletricidade vem dos resíduos da cana-de-açúcar, segundo o setor.
Só que apenas 15% do potencial de geração de bioeletricidade, por exemplo, produzida a partir da cana-de-açúcar é aproveitado pela rede hoje, estima a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Em 2020, a geração para o Sistema Interligado Nacional (SIN) pelo setor foi equivalente a cerca de 5% do gasto nacional de energia, o equivalente ao consumo de 12 milhões de residências por um ano.
Isso, em um momento em que o setor elétrico causa preocupação. No começo do mês, uma nota técnica feita pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontou que os reservatórios de ao menos oito usinas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste podem estar praticamente vazios até novembro. No dia seguinte, a entidade mudou o tom do alerta, ressaltando que as medidas preventivas adotadas vão garantir o abastecimento de energia no Brasil neste ano. Mas a crise pela falta de chuvas assusta.
No ano passado, a oferta de bioeletricidade para a rede pelo setor cresceu 1% em relação ao ano anterior, com um volume de 22.604 GWh. Sendo que 83% desse total foi ofertado no período seco, entre maio e novembro. A geração equivale a uma economia de 15% da água associada à energia máxima gerada nos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste.
A estimativa da entidade é que a geração de bioeletricidade pela cana no ano passado também tenha poupado a emissão de 6,3 milhões de toneladas de CO2. Apesar disso, a contribuição dessa fonte não tem tido um crescimento significativo nos últimos anos. Entre os problemas apontados para esse cenário, estão a judicialização do Mercado de Curto Prazo, pela necessidade de recomposição de preços, e o endividamento e alavancagem de empresas do setor.
Outra fonte ainda considerada subaproveitada é o biogás. Segundo a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), entidade do setor, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo, com 43,2 bilhões Nm³/ano.
Esse potencial de produção se encontra, sobretudo, nos resíduos do setor sucroenergético (48,9%), na proteína animal (29,8%), na produção agrícola (15,3%) e no saneamento (6%) e tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de diesel. Existe uma geração espontânea pela decomposição de resíduos, de 120 milhões de metros cúbicos por dia, na área urbana e no campo, mas o país aproveita menos de 2% desse potencial, diz o vice-presidente da associação, Gabriel Kropsch.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o potencial de produção de biogás no Brasil, somente a partir da vinhaça, pode atingir em 2030 até 45 milhões m³ por dia, o que corresponde a mais de duas vezes o volume médio de gás natural importado da Bolívia em 2019.
Douglas Gavras – Com informações adicionais da Reuters – Imagem: Believe Earth