Revolução digital chega aos canaviais e usinas paulistas agora são 4.0

Pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) acelerou a digitalização das empresas canavieiras. Novas tecnologias serão cruciais para alimentar, de forma sustentável, uma população mundial que cresce a cada dia

Uma revolução industrial é caracterizada por mudanças abruptas e radicais – ocasionadas pela incorporação de novas tecnologias – no modus operandi das companhias. A primeira grande revolução relatada pela humanidade ocorreu entre 1760 e 1830 e foi marcada pela substituição da produção manual pela mecanizada, a partir do uso de máquinas a vapor. A segunda, que se estendeu do final do século XIX até o início do século XX, difundiu o conceito de manufatura em massa, graças a chegada da eletricidade às fábricas. Já a terceira começou ainda na década de 1960, momento em que o surgimento da eletrônica iniciou um processo de modernização das indústrias.

Hoje, 60 anos depois, o mundo passa novamente por uma grande revolução. A quarta revolução industrial – ou Indústria 4.0 como é chamada no Brasil – foi citada pela primeira vez pelo professor alemão Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial. Em seu livro, publicado em 2016, ele descreve que a população mundial se encontra no meio de uma era onde “as linhas entre as esferas físicas, digitais e biológicas estariam embaçadas”.

De acordo com Schwab, essa nova revolução é caracterizada pela confluência de praticamente todas as tecnologias digitais existentes atualmente e que efetivamente estão transformando o mundo de uma forma geral. Cloud computing, análise de dados, inteligência artificial, big data e machine learning são apenas alguns dos termos utilizados nessa nova onda produtiva, que visa a geração de conhecimento e produtividade como nunca antes visto.

Na visão do Coordenador Técnico do IST – Instituto SENAI de Tecnologia de Sertãozinho/SP, Márcio Venturelli, a digitalização das operações ganhou protagonismo frente à pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), no entanto, na grande maioria das indústrias mundiais, é pauta seguramente desde 2016. “É muito difícil saber em que ponto estamos dessa revolução. O fato é que já é possível notar a consolidação de um movo modelo de negócios, baseado principalmente no uso massivo de novas tecnologias.” Para ele, o ápice dessa revolução ocorrerá quando a sociedade mudar completamente seu modelo mental para o digital.

Diversos setores da economia mundial já estão sentindo os efeitos dessa revolução. O automobilístico, por exemplo, pode ser considerado um dos precursores. O logístico também é outro que vem adotando as tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 de forma acentuada, encurtando toda sua cadeia de valor, do cliente a indústria. “De forma geral, todos os segmentos já estão impactados. Talvez não seja tão evidente, pois na superfície há uma sensação de que tudo é igual. Mas, não é. Na profundidade, os processos estão sendo transformados pelo uso das tecnologias, que estão permitindo diminuir lacunas antes não pensadas e solucionar novas que nunca puderam ser identificadas.”

Principal propulsor de diversas economias ao redor do globo, o agronegócio não poderia ficar de fora. Desde a produção no campo até a industrialização e comercialização dos produtos, a agricultura já é usuária intensiva das tecnologias digitais. “Biotecnologia, nanotecnologia e digitalização são apenas algumas das ferramentas que já estão fazendo a diferença no campo. E esperamos a incorporações de mais dezenas ao longo dos próximos anos”, ressalta Venturelli.

A agricultura 4.0 e a tarefa de alimentar o mundo

Ao longo de sua história, a agricultura passou por três grandes revoluções internas. A primeira delas ocorreu de forma paralela a primeira revolução industrial. Nesse período, alguns países modernizaram seus sistemas de cultivo, elevando sua produção e produtividade. A partir da segunda metade do século XX, agricultores começaram a introduzir técnicas mais apropriadas de manejo em suas lavouras, como o uso de fertilizantes, defensivos agrícolas e sementes produzidas a partir de variedades de alto rendimento. Esse movimento ficou conhecido como “Revolução Verde”.

Anos mais tarde, com a descoberta da estrutura das moléculas do DNA, a biotecnologia provocou a terceira grande revolução na agricultura, caracterizada, principalmente, pelo uso de variedades geneticamente modificadas, conhecidas popularmente como transgênicas. Nos dias atuais, a agricultura passa novamente por um período de transformações, que coincide com a chegada da quarta revolução industrial. Daí o termo: agricultura 4.0.

As tecnologias que estão sob esse “guarda-chuva” serão vitais na difícil tarefa de alimentar, de forma sustentável, uma população que cresce a cada dia. Até o ano de 2050, estima-se que haverá 10 bilhões de pessoas na Terra. Para alimentar tamanha população, projeta-se que a produção de alimentos precisará aumentar em cerca de 60%. No entanto, não há espaço para esse crescimento. Terras agricultáveis estão cada vez mais escassas.

Paralelamente, há um crescente êxodo rural para as cidades. Hoje, o filho do agricultor raramente deseja continuar na atividade. Sonha em ir para os grandes centros. Essa tendência deixa cada vez menos pessoas no campo para produzir alimentos para cada vez mais pessoas na cidade.

A resposta para ambos os “problemas” parece ser a mesma: verticalização da produção. O ato de produzir mais dentro de uma mesma área. Com suas tecnologias que elevam a eficiência das operações e diminuem a importância do fator humano, a agricultura 4.0 não poderia ter chegado em melhor hora.

Grupos canavieiros se estruturam e unidades agroindustriais se tornam usinas 4.0

Não demorará muito para que as unidades sucroenergéticas não sejam iguais às que temos hoje. Serão usinas 4.0. Essa nomenclatura caracteriza uma planta que tem seus processos baseados em dados extraídos de todos os ativos e processos existentes, permeando o que é chamado de “halo digital”, que dará condições para tomadas decisões mais assertivas e ágeis, permitindo assim alcançar ganho de eficiência, diminuição de erros e redução de custos.

Podemos seguramente afirmar que a maioria das usinas do setor está direcionando parte de seus esforços para esse movimento. Diversos grupos canavieiros já contam, inclusive, com planos diretores de digitalização. Para Márcio Venturelli, do Instituto SENAI de Tecnologia de Sertãozinho, praticamente todas as tecnologias já são aplicadas de alguma forma pelas usinas canavieiras. O que ocorre é uma falta de abrangência e convergência de uso. O que, segundo ele, não é um erro, mas um processo natural.

“No futuro, será necessário extrair mais dados do que os obtidos hoje em uma unidade, tanto na agrícola como na indústria. Com isso, poderemos criar algoritmos dotados de inteligência artificial para apoiar as tomadas de decisões, mudando assim a forma de planejar, produzir e entregar os produtos. Uma das tecnologias que será destaque nesse novo cenário é o ‘Gêmeo Digital’, um caminho complexo de criação, mas que impactará o controle operacional de sobremaneira.”

A tecnologia citada por Venturelli consiste em simulações virtuais de produtos ou serviços, criadas a partir da integração de sensores em um item físico. Os sensores conectados coletam as movimentações e respostas do item e as projetam em um ambiente virtual, criando uma cópia exata. A partir disso, a cópia começa a operar dentro desse mundo simulado, alimentado por inúmeros dados e algoritmos que são capazes de mostrar os resultados de maior probabilidade da execução do item conectado.

As simulações são capazes de prever desempenhos, criar diferentes hipóteses, detectar falhas, projetar melhorias e gerar insights profundos sobre funcionalidades, tudo isso com muito mais velocidade e menos custos do que teriam as averiguações materiais.

Para o coordenador técnico do IST, a área agrícola está muito avançada nessa nova revolução, o que acaba sendo natural, uma vez que 60% do negócio de uma usina se concentra nela. “Há muita pesquisa e investimento envolvido na condução de um canavial. Só não podemos esquecer que deve haver sincronismo entre as diferentes áreas, que precisam andar juntas. Caso contrário, pode ocorrer de chegar matéria-prima na indústria e ela não der conta de processá-la.”

Digitalização das operações e da jornada do colaborador
resultam em otimização de tempo e produtividade na Tereos

E na corrida pelo título de primeira usina de cana-de-açúcar 4.0 do Brasil, o Grupo Tereos largou na frente. Em 2019, a unidade Cruz Alta, pertencente a subsidiária Tereos Açúcar & Energia Brasil e localizada no município paulista de Olímpia, foi escolhida para sediar o projeto piloto do Programa Indústria 4.0 da companhia. O gerente de projetos da Tereos, Fernando Mello, explica que esse programa surgiu como uma evolução natural das iniciativas de automação e digitalização dos processos da companhia.

“Além de unir essas frentes, esse programa procurou também introduzir os conceitos e tecnologias da Indústria 4.0 de maneira organizada e estruturada dentro do nosso modelo de produção e no dia a dia dos colaboradores, visando alavancar a performance das operações agrícolas e industriais como um todo.”

Para os colaboradores, a transformação digital começa já na porta de entrada: a chegada e a saída são controladas por escaneamento facial, que oferece mais rapidez e precisão na passagem pelas seis catracas, evitando filas e desconforto pelas pessoas durante a espera. Essa medida também vem ao encontro das necessidades de reduzir pontos de contato, colaborando na prevenção à Covid-19.

A Tereos também conta com uma ferramenta digital para apoiar a retirada de equipamentos de proteção individual (EPI). Antes de sua implantação, os trabalhadores das operações industriais enfrentavam filas, às vezes bastante longas, para realizar a retirada de EPI no almoxarifado da planta. Com estas máquinas, similares aos equipamentos de vendas automáticas de refrigerante, basta o funcionário ter sua impressão digital lida pelo sensor biométrico e selecionar óculos, luvas de segurança, colete refletivo, e protetor auricular, entre outros, conforme sua necessidade.

“Com o processo de troca de EPIs automatizado, o tempo médio de espera para realizar o procedimento caiu de 50 para 2 minutos. Além disso, observamos uma redução de custos na aquisição dos EPI, relacionada à melhor gestão da reposição dos materiais”, explica Mello.

Em seu posto de trabalho, o colaborador também já vive uma realidade diferente. O uso da tecnologia de inteligência artificial está possibilitando a realização de atividades rotineiras com mais velocidade e precisão como, por exemplo, o controle da fermentação e destilação do etanol. Computadores monitoram dados de sensores e aplicam correções em tempo real, caso necessário, evitando erros e perdas antes de provocarem prejuízos à produção. A aplicação garantiu uma redução de 90% da variabilidade do processo e de 12% no consumo de vapor na etapa de destilação.

No dia a dia, o colaborador da Tereos não vê mais uma quantidade imensa de papéis circulando e nem uma lista extensa de documentos para preencher. As metas da área são comunicadas em computadores e celulares, o check list de atividades diárias é digital e o apontamento das manutenções ocorre em dispositivos móveis. O movimento do fim do papel é pensado visando otimizar a segurança das informações e a agilidade da comunicação em toda a companhia.

Os apontamentos individuais, como os de horas trabalhadas e de pausas para o descanso também foram digitalizados e, agora, acontecem via um aplicativo próprio da Tereos, disponível para qualquer dispositivo móvel. O registro de ponto virtual reduz a espera em filas de ponto e facilita o acesso às demais informações cadastrais dos colaboradores, como dados pessoais e o seu holerite, tudo na palma da mão.

Como benefícios gerais decorrentes do programa, o gerente de projetos destaca uma melhora na segurança, qualidade e rastreabilidade da operação; maior regularidade da produção; aumento da competividade, melhor integração entre os diferentes processos e ganhos de eficiência na planta como um todo. Lembrando que as iniciativas citadas foram implementadas em forma de projeto piloto na unidade Cruz Alta e agora estão, gradativamente, sendo expandidas para as outras plantas do Grupo que, no futuro, também devem ser tornar usinas 4.0.

Agrícola de Lençóis Paulista conta com equipamentos dotados de direção autônoma em operação no plantio, tratos e colheita da cana-de-açúcar

A tecnologia de veículos autônomos ainda engatinha, mas com certeza é uma tendência que deverá se intensificar nos próximos anos. Mas já podemos afirmar que o campo ultrapassou a cidade e conta com as primeiras máquinas inteligentes em operação. Na Agrocana Caiana, uma empresa familiar que atua na região de Lençóis Paulista, a direção autônoma é utilizada desde 2014 em 100% da colheita de cana-de-açúcar. A tecnologia foi desenvolvida pelos próprios proprietários e instalada nos caminhões transbordo da empresa, que atualmente possuem capacidade de transporte de 42 ton/hora/equipamento.

Um dos proprietários da Agrocana Caiana, Mateus Belei explica que os caminhões transbordo utilizados na colheita mecanizada de cana crua na empresa percorrem de forma autônoma as rotas previamente criadas por meio de georreferenciamento. “Com precisão de centímetros, o veículo só circulará por onde o sistema indica, aumentando assim a produtividade da operação.”

No entanto, o profissional ressalta que os veículos não são 100% autônomos, pois ainda exigem a presença de um operador dentro da cabine, que será responsável apenas por monitorar os indicadores, fazer ajustes quando necessários e executar as manobras de cabeceira.

Segundo Belei, no início, a introdução da tecnologia de direção autônoma buscava puramente o aumento da produtividade e longevidade das áreas por meio de um controle de tráfego mais rigoroso. Porém, o projeto trouxe inúmeros outros benefícios, como 60% de redução no consumo de combustível, 40% a menos no consumo de lubrificantes e 30% a menos no custo de reparo e manutenção. Ele também elimina erros por falha humana, permite uma rápida retomada da operação após as chuvas e aumenta a disponibilidade e vida útil dos equipamentos.

Além de atuarem na colheita da cana-de-açúcar, os equipamentos de direção autônoma da Agrocana Caiana são utilizados nas operações de plantio e tratos culturais na propriedade, como distribuição de torta de filtro e aplicação de vinhaça localizada.

Vale a pena investir em tecnologias digitais e transformar a operação nas usinas?

Um estudo conduzido pelo Centro de Tecnologia Canavieiro (CTC) observou que, caso todas as usinas e produtores canavieiros do Centro-Sul do país adotassem as novas tecnologias disponíveis no mercado – como variedades modernas e geneticamente modificadas, novos defensivos, plataformas de inteligência agronômica e drones e VANTs -, a média de Toneladas de Açúcar por Hectare (TAH) da região saltaria de 10 para 12,1 TAH.

Embora o ganho de produtividade decorrente do uso desses “aparatos tecnológicos” seja claro, diversas unidades sucroenergéticas ainda relutam em adotá-los em sua operação, pois questionam se todo esse investimento realmente valeria a pena.

Na visão do professor e gestor de projetos do Pecege, João Rosa (Botão), o setor canavieiro nacional pode ser atualmente dividido entre as empresas que aderem mais ou menos às novas tecnologias. No entanto, ele faz um alerta: caso as companhias menos tecnológicas não comecem a inovar, daqui a pouco estarão fora do mercado. “Nos últimos anos, vimos muitas usinas em recuperação judicial e outras que quebraram e tiveram que paralisar suas operações. Um dos motivos é o fato de elas terem ficado defasadas no tempo.”

Segundo Botão, a inovação de hoje é a banalidade de amanhã, e a demanda por eficiência, desempenho e dados para tomada de decisões cresce a cada dia. “Ou sua empresa começa a entrar nesse novo universo ou vai chegar à hora que ela sairá do jogo por excesso de acomodação.”

O professor ressalta, porém, que essa mudança não ocorrerá da noite para o dia. “Não estou falando que uma companhia com menos aderência às novas tecnologias deva sair correndo e investir amanhã em um milhão de coisas, gastando um dinheiro que ela não tem. Inicialmente, olhe para sua carteira de possibilidades e escolha algo que te ajudará naquele momento e trará um retorno mais imediato.”

Botão recomenda que os primeiros investimentos sejam direcionados às tecnologias com retorno tangíveis, ou seja, mais claros e palpáveis. “Por possuírem métricas econômicas relativamente mais fáceis de serem analisadas, elas devem ser o foco das empresas com nível baixo de maturidade em inovação. Já as intangíveis virão naturalmente pelo amadurecimento dessa absorção tecnológica, uma vez que não existem métricas específicas para elas, necessitando de análises mais holísticas para obter o ROI (Retorno sobre o Investimento).”

Com o açúcar remunerando bem e o ATR (Açúcar Total Recuperável) batendo na casa de R$ 1,00 o quilograma, o segmento sucroenergético se encontra em um bom ano para investimentos. E a expectativa é de um 2022 ainda melhor. “É o momento ideal para começar a olhar com carinho para a inovação. Comece a mudança por onde dói mais e analise as soluções que poderão curar essa dor. E se você acha que seu time não está capacitado, capacite-o primeiro. Mas não fique para trás”, frisa Botão.

Com relação a falta de budget, o diretor de desenvolvimento de negócios da SmartBreeder, Felipe Ninni, afirma que esse não é um empecilho. Segundo ele, o custo de plantio de cana-de-açúcar hoje gira em torno de R$ 10 mil por hectare. Já os tratos em uma cana-soca podem demandar um valor entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil por hectare. “Às vezes, é possível retirar um pouco desse valor, que já está fixado no budget da companhia, e incluir um pouco de digital que, por sua vez, ajudará a trazer excelência para a operação, fazendo com que todo aquele investimento em variedades e insumos traga mais retorno, pois as novas tecnologias farão com que esse manejo alcance seu máximo potencial produtivo.”

Para ele, não tem desculpa para não investir. “Tecnologia é questão de sobrevivência. Já vi muitas empresas que demoraram demais para implantar uma cultura de inovação e, infelizmente, tiveram que sair do mercado.” O profissional observa que o primeiro passo é o mais difícil, mas depois de superá-lo, tudo ficará mais fácil. “Um investimento em tecnologia acaba puxando outros, pois ele irá potencializar o manejo adotado que, consequentemente, trará mais retorno.”

Falta de conectividade no campo é o principal obstáculo para a consolidação da agricultura 4.0

A agricultura 4.0 já é uma realidade no mundo. A cada dia surgem novas tecnologias que potencializam ainda mais o meio rural. No entanto, a adoção em massa dessas inovações esbarra em um fator considerado trivial para grande parte da população mundial: a conectividade.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 82,7% dos domicílios nacionais urbanos possuem acesso à internet. No campo, a situação não poderia ser mais diferente. Dados da Associação ConectarAGRO revelam que apenas 15,3% da população que vive na área rural tem acesso ao ciberespaço, seja através de conexão móvel ou fixa. Já na área produtiva, como lavouras de cana e grãos, a cobertura é de apenas 11%.

Especialista de conectividade na CNH Industrial para a América do Sul, Central e Caribe e membro do comitê técnico da Associação ConectarAGRO, Renato Coutinho explica que o sistema de telecomunicações brasileiro é um dos principais motivos para a falta de conectividade no campo. “Essa infraestrutura se paga pela densidade de usuários [pessoas] conectados a ela. Quando falamos de conectividade agrícola, esse modelo precisa ser revisto, pois no campo haverá baixa densidade de pessoas, mas, em contrapartida, grande volume de máquinas e dispositivos.”

Para ele, a falta de conectividade é um dos principais obstáculos para a consolidação da Agricultura 4.0 no Brasil. “Não se pode falar em quarta revolução industrial sem falar de conectividade. Hoje, um ambiente rural totalmente conectado permitiria um acesso maior às novas tecnologias, monitoramento em tempo real dos dados do campo, melhor comunicação entre os produtores, fornecedores e clientes e, consequentemente, ganho de tempo e produtividade.”

Uma das companhias sucroenergéticas mais avançadas nesta questão é a São Martinho, que anunciou em setembro do ano passado um acordo inédito no país que visa aumentar a velocidade de transformação das fazendas da companhia em Smart Farming por meio da conectividade 5G.

A parceria irá aumentar a eficiência em processos que requerem alta velocidade de transferência de dados e baixíssima latência (tempo de resposta), permitindo a utilização de veículos autônomos como tratores e caminhões, drones para controle inteligente de pragas e plantas daninhas, identificação e localização de incêndios em suas áreas agrícolas, dentre outras atividades que requerem processamento de dados e imagens em alta velocidade.

Não basta apenas adquirir novas tecnologias. Empresas precisam preparar seus profissionais para essa revolução

Uma revolução industrial ocorre apenas quando há mudanças rápidas e drásticas nas tecnologias existentes, com grandes impactos nas formas de pensar e agir. No entanto, seu desenvolvimento envolve uma série de desafios. Além da já citada conectividade, outra barreira é a construção de competência humana.

Para o coordenador técnico do IST, Márcio Venturelli, as tecnologias estão cada vez mais baratas, mas também mais complexas. “Precisamos investir massivamente em requalificação e qualificação profissional a fim de entendermos e absorvermos corretamente essas novas tecnologias.”

Porém, essa qualificação não pode ser apenas do jovem. Mas também dos profissionais já atuantes no mercado, que necessitarão de requalificação para continuar incluídos nesse novo ambiente de trabalho, caracterizado cada vez mais pela modularidade, descentralização, virtualização e alta velocidade no recebimento e análise de dados.

É dever das companhias preparar os nprofissionais, capacitando-os para que eles possam operar nesse novo mundo, cada vez mais inserido no digital (Foto: Divulgação Tereos)

De acordo com a diretora de RH/Capacitação da Smartbreeder, as empresas têm um papel fundamental na preparação do profissional do futuro, seja ele seu próprio colaborador ou até mesmo um cliente. “Falando do agro em específico, os agricultores atuais são bombardeados diariamente com uma avalanche de informações sobre sua atividade, vindas de diferentes tecnologias. Como é impossível processar isso por conta própria, não lhe resta outra alternativa a não ser se aliar à tecnologia. Lembrando que é dever das companhias preparar esses profissionais, capacitando-os para que eles possam operar nesse novo mundo, cada vez mais inserido no digital.”

Para ela, as empresas com essa cultura mais inovadora não podem apenas pensar na aquisição de tecnologias disruptivas, mas também na preparação dos profissionais que irão operá-las. “Essas inovações não vieram para substituir o trabalhador, mas auxiliá-lo em sua performance diária. Mas, para que isso seja possível, ele precisa estar profundamente inserido nessa revolução digital, se tornando um ‘profissional 4.0’.”

Profissional 4.0: o que é, quais as características necessárias e porque esse perfil está atraindo tanto as indústrias?

Na visão do diretor de capacitação na Great Place to Work (GPTW) Brasil, Cauê Oliveira, o profissional 4.0 “nunca erra”, pois ele acerta ou aprende. “Num mundo tão volátil como o que vivemos hoje, o trabalhador deve estar sempre acompanhando as mudanças e buscando aprender todos os dias. Ele também precisa ser uma pessoa que entende seu impacto no todo, seja limpando o chão, trabalhando em uma fazenda ou fazendo experimentos em um laboratório.”

De acordo com ele, a maior camada populacional dentro das empresas tem sido da geração Y, também conhecida como “mileniums”. E engana-se quem pensa que esses profissionais tem pouco mais de 20 anos. A grande maioria já passa da casa dos 30, trazendo para o ambiente de trabalho alguns aprendizados profundos. “Um dos principais é a diminuição da importância do fator salário. Ele continua sim relevante, mas esses profissionais passaram a se importar mais com sentimento de realização, bem-estar, reconhecimento, engajamento e relevância naquilo que estão fazendo.”

Segundo o professor das Faculdades de Administração da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (FEARP – USP) e da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV), Marcos Fava Neves, o “profissional 4.0” precisa se reinventar. “Além de romper seus paradigmas e modelos mentais, ele deve estar apto a trabalhar com as ferramentas digitais, novos layouts e novas especialidades tecnológicas e comportamentais.”

Para o engenheiro agrônomo, o profissional que deseja atuar em meio a essa quarta revolução industrial deve ser:

Sintonizado – Saber o que está acontecendo a sua volta;

Simples – Ter simplicidade ao propor soluções rápidas e que podem ser realizadas sem grandes problemas;
Adaptativo – Saber se adaptar aos ambientes VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo; na sigla em inglês);
Inovador – Buscar inovar e não ser resistente à tecnologia;
Investidor – Estar constantemente lendo, estudando e fazendo cursos;
Relacionado – Construir uma rede de valor (networking) onde haverá indicação e ajuda para solução de problemas;
Ampla visão – Entender que existem opiniões contrárias e lembrar que as brigas devem ocorrer entre ideias e não entre pessoas;
Sonhador – Saber que deve trabalhar para conquistar aquilo que deseja;
Direcionado para resultados – Construir margens e valor para quem usará seu trabalho;
Comunicativo, mas não em excesso – Saber usar as mídias e valorizar os trabalhos em equipe;

Baseado nos itens listados, Fava Neves convida os profissionais a fazer uma análise pessoal para identificar quais características já possuem. “É impossível uma pessoa não ter, no mínimo, metade dessas características. As que ela realmente não possui, basta buscá-las. As ferramentas para isso existem e estão à disposição de todos, sendo a grande maioria delas de forma gratuita.”

Fonte: Cana On Line