Como funciona a economia circular da cana-de-açúcar

Matéria-prima é 100% aproveitada no setor sucroenergético

A cana-de-açúcar é uma das principais culturas do agronegócio brasileiro. Na safra 2020/21, que durou de abril de 2020 a março de 2021, o Brasil colheu mais de 654,8 milhões de toneladas da planta, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

De origem asiática, a cana chegou ao país no século XVI trazida pelos portugueses e o seu cultivo era, inicialmente, voltado exclusivamente para a produção de açúcar. No início do século XX, começaram as primeiras experiências em relação ao etanol como combustível. De lá para cá, de matéria-prima para a produção do adoçante, a cana passou a ter um aproveitamento recorde no setor sucroenergético, de praticamente 100%. Apenas algumas partículas residuais e impurezas do campo, como a terra, ficam de fora do processo.

Hoje, a cana-de-açúcar é a protagonista de diversos produtos essenciais no dia a dia da população, contribuindo inclusive para a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) por adicionar um combustível renovável e de menor emissão de poluentes à matriz energética.

Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), cerca de 515 milhões de toneladas de gases de efeito estufa deixaram de ser despejadas na atmosfera desde o início dos carros flex no Brasil em 2003 até 2020, por conta do etanol. O biocombustível é capaz de reduzir as emissões em até 90% quando comparado com a gasolina, além de zerar a dispersão de poluentes nocivos à saúde.

Assim, o valor da cana está além de seus produtos. Toda a cadeia de produção é um grande exemplo de economia circular, pois é uma cultura que já tem em sua essência o reaproveitamento e diversas aplicações.

Na Tereos, segunda maior produtora de açúcar do Brasil e do mundo, por exemplo, com sete unidades industriais na região noroeste de São Paulo, a cana-de-açúcar é matéria-prima para três produtos: açúcar, etanol e energia; além de gerar outros sete coprodutos: água, bagaço, biogás, levedura seca, palha da cana, torta de filtro e vinhaça, que são aproveitados na produção e até mesmo comercializados.

Conheça a jornada da cana, do cultivo aos seus derivados:

Do campo à indústria

O ponto de partida da cana-de-açúcar é no canavial. Na lavoura, é plantada, cultivada e colhida. Ali, ela já começa seu ciclo virtuoso e de reaproveitamento, pois a partir de seu próprio caule, conhecido como soqueira, forma-se uma nova planta.

Do plantio ao primeiro corte são 18 meses. Graças à capacidade da rebrota, pode ser colhida em média por quatro vezes, com cortes ocorrendo a cada 12 meses – um a cada safra.

Durante a colheita, é gerado um resíduo: as folhas da cana, ou palha, que também vão para a usina junto com a planta.

Após a colheita, a cana segue para a indústria, onde será processada para a produção de seus principais produtos: açúcar, etanol e energia. Antes disso, passa por algumas etapas, como a pesagem e a análise da qualidade em laboratório.

Na sequência, ocorre a separação da palha e o preparo da cana para deixá-la em condições perfeitas para a extração do caldo, na moenda ou nos difusores. Neste processo, sobra o bagaço que segue para a caldeira junto à palha, que foi recuperada na colheita e separada na recepção.

Produtos

Na caldeira, é obtido o primeiro produto da transformação da cana, a energia. Com a queima do bagaço e da palha são geradas duas formas de energia: a térmica – para suprir a demanda de vapor no processo – e a elétrica – utilizada na unidade industrial ou comercializada para as concessionárias de energia.

Já o caldo que foi extraído da cana pode seguir para dois processos: produção de etanol e/ou de açúcar, conforme a decisão de cada usina.

O processo produtivo do etanol começa com a fermentação, em que a levedura, um fungo, é incorporada ao caldo e transforma os açúcares em etanol e forma o vinho, como é conhecido o caldo da cana fermentado. O passo seguinte é a destilação, em que é obtido o etanol hidratado, utilizado diretamente em nossos veículos, e o etanol anidro, que no Brasil é misturado à gasolina. Após armazenagem nos tanques da usina, o combustível segue para as distribuidoras. Estas são responsáveis por comercializar para os postos de combustível e serem usados diretamente nas bombas, no caso do hidratado, ou para a aplicação de 27% na gasolina, no caso do anidro, um processo que contribui para mitigar os a emissão GEE na queima do combustível fóssil.

Para produzir açúcar, o caldo é enviado para a etapa de cozimento, onde os cristais de açúcar são formados. Em um passo anterior, o caldo é tratado para a separação de compostos da cana que não são aproveitados nesta fase. Em seguida, ocorre a evaporação da água, que representa cerca de 70% da cana – reaproveitada na operação. Com isso, se formam os cristais de açúcar.

Do processo, o excedente é a torta de filtro, composta pelo resíduo do caldo não aproveitado para o açúcar, mas que segue para o campo na forma de insumo agrícola.

Coprodutos

A levedura, excedente da produção de etanol, é processada para a obtenção da levedura seca. Atualmente, este resíduo transformado é vendido como matéria-prima para ração animal, por ser é rico em aminoácidos, vitaminas do complexo B e proteínas.

A vinhaça, obtida na destilação do vinho, tem dupla destinação. O primeiro uso é em um biodigestor para a geração do metano, também conhecido como biogás, que pode ser utilizado, como o gás natural comum, no abastecimento de motores à combustão ou na geração de energia elétrica.

Após a geração de metano, a vinhaça continua produtiva e funciona como um fertilizante na lavoura, sendo rica em potássio e matéria orgânica. Assim como a vinhaça, a torta de filtro auxilia a nutrição das plantas no canavial, em função da sua alta umidade e concentração de nutrientes, a exemplo do fósforo.

Reconhecimento sustentável

Em 2020, a produção de etanol ganhou um novo reconhecimento no mercado. Com o programa RenovaBio, principal ação da Política Nacional de Biocombustíveis, o Brasil definiu metas de descarbonização baseadas no aumento do uso dos biocombustíveis, que envolvem a compra de CBIOs (créditos de descarbonização) por parte das distribuidoras de combustíveis. As produtoras de etanol são certificadas e podem vender seus CBIOs na bolsa de valores brasileira.

Cada CBIO é equivalente a uma tonelada de CO2 evitada. Quanto menor a pegada de carbono para produção do etanol, mais CBIOs podem ser comercializados pela usina.

Com isso, as empresas estudam diversas ações para diminuir ainda mais a pegada de carbono na produção do etanol, como transformar a vinhaça em biogás para ser usada como combustível nos caminhões e diminuir o uso de fertilizantes a base de petróleo.

Curiosidades

• Da colheita da cana na lavoura ao açúcar refinado pronto são gastas aproximadamente 20 horas. Já o etanol é produzido, em média, em 20-30 horas, quando considerado do corte à finalização.

• A Tereos produz mais de dez tipos diferentes de açúcar, como refinado, cristal, natural demerara, cristal orgânico e refinado granulado.

• Entre eles existem os açúcares voltados para uso industrial, como o VHP, sigla em inglês de Very High Polarization. É o açúcar bruto, pouco processado e fortemente exportado para virar refinado em outros país. Também é utilizado na indústria de construção para dar liga no concreto.

• Já o açúcar invertido é bastante empregado em indústrias alimentícias, onde a sua coloração não interfere na qualidade do produto final, como panificação, geleias, sorvetes, laticínios, frutas cristalizadas, bebidas carbonatadas, sucos, recheios, licores, biscoitos, balas, caramelos, etc.

* com informações da assessoria de imprensa