“Invadir terra é crime, não tem diálogo”, diz diretor técnico da CNA
Bruno Barcelos Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) | Foto: Wenderson Araújo/CNA
Manter a competitividade no agronegócio exige adaptação constante aos desafios econômicos e ambientais. No Rio Grande do Norte, a produção de frutas como o melão se destaca, mas o cenário de juros elevados e dificuldades no crédito rural pode impor obstáculos ao crescimento do setor. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Bruno Barcelos Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), explica como o alto custo do crédito, as barreiras comerciais da União Europeia e os desafios logísticos impactam os produtores rurais. Ele também explica como a alta do dólar interfere nos preços dos alimentos no Brasil e critica as invasões de terras, tema que voltou à tona nos últimos anos e tem preocupado produtores rurais de todo o país. Confira:
O agronegócio tem se destacado no Rio Grande do Norte, principalmente na produção e exportação de frutas como o melão. De que forma o cenário de juros elevados e as dificuldades no crédito rural podem afetar o crescimento desse setor no estado?
Se a gente analisar o Plano Safra, que é uma das principais políticas de direcionamento de crédito bancário para o setor rural, tivemos o anúncio de R$ 470 bilhões no plano 23/24/25, onde só em oito meses 52% foi aplicado. No entanto, se compararmos com o mesmo período do ano passado, o volume de recursos ainda foi 19% menor, o que já mostra uma dificuldade do produtor em acessar o crédito.
Com taxas de juros mais altas, isso pode dificultar ainda mais, já que investimento é algo que você paga em vários anos. O produtor, ao fazer um investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura, precisa diluir esse custo ao longo de anos, e juros elevados podem inibir esses investimentos, afetando a produtividade e a rentabilidade do negócio. A gente enxerga é que, por melhor que seja a cadeia, muitos produtores vão pensar duas vezes antes de trabalhar investimentos em taxas mais elevadas.
Como a nova regulamentação da União Europeia sobre desmatamento pode impor barreiras comerciais ao agrobrasileiro e quais estratégias podem ser adotadas pelos produtores para garantir a conformidade com essas exigências?
A lei da União Europeia, que entrou em vigor em janeiro de 2021, diz que produtores que tiverem desmatado áreas, mesmo legalmente, não poderão exportar para a Europa sete cadeias produtivas, como carne, soja, madeira, cacau, óleo de palma, borracha e café. A fruticultura, exceto pelo cacau, que não é um produto típico da região, não está contemplada nesta lei. Portanto, as exportações de frutas potiguares para a Europa não devem ser afetadas de imediato.
No entanto, a CNA está trabalhando para questionar isso na Organização Mundial do Comércio (OMC), porque ela cria uma punição para países que realmente souberam preservar e produzir ao mesmo tempo, como é o caso do Brasil. Hoje o Brasil tem 66% da sua vegetação nativa intacta e na Europa não deve ter menos de 5%. A gente acaba vendo que essa lei é muito mais uma prática protecionista e não algo que realmente visa proteger o meio ambiente.
O alto custo logístico é um entrave à competitividade do agronegócio, especialmente no Nordeste. Quais medidas podem ser tomadas para melhorar a infraestrutura e reduzir o custo de escoamento da produção?
A logística é um problema no Brasil inteiro. Tem dados que a gente usa da Confederação Nacional dos Transportes que no Nordeste 73% das rodovias são consideradas em condições péssimas, ruins ou regulares. No Rio Grande do Norte, esse número cai para 69%, o que não deixa de ser um número alto. Essas estradas ruins aumentam o custo do transporte de insumos e isso gera um custo em média de 32% a mais para o Nordeste.
Como o rodoviário ainda é o principal modal, investimentos em manutenção de rodovias, duplicação de trechos e melhoria das condições de tráfego têm que ser prioridade. Além disso, o transporte ferroviário pode melhorar a escoação da produção. É uma agenda bem extensa que não está só centralizada na região Nordeste, mas em todo o Brasil.
A CNA lançou recentemente o programa CNA Fiagro, com linhas de financiamento para produtores rurais. Como isso pode beneficiar os produtores do RN?
A gente tem um trabalho de assistência técnica que pega mais de 400 mil produtores em todo o Brasil e sempre que a gente ouve esse produtor eles questionavam da morosidade do crédito, da dificuldade de garantia e às vezes de ter o seu crédito negado. Então, assim foi sancionada a Lei do Fiagro. A CNA entraria com R$ 100 milhões para fazer um piloto e captaria mais R$ 20 milhões no mercado. Seria um fundo pequeno de R$ 30 milhões voltado só para os produtores assistidos pela assistência técnica do SENAR, que é onde já tem uma garantia que o produtor tem uma orientação técnica.
Então esse Fiagro foi criado ano passado. A gente está no primeiro ano dele. Como é um piloto, estamos ainda com seis estados. O Rio Grande do Norte não foi contemplado, mas certamente ele vai entrar, porque a fruticultura e a pecuária de corte e leite são uma das cadeias que a gente mais impulsiona dentro desse projeto.
Para se ter ideia, hoje quando o produtor pede o crédito ele só precisa ter uma CPR (Cédula de Produto Rural) para dar garantia, que demora no máximo 20 dias e o dinheiro está na conta dele. A taxa de juros é de 15%, o que pode parecer alta, mas, em comparação aos custos adicionais que o produtor enfrentaria em outras linhas de crédito com mais taxas, ela é mais vantajosa.
O dólar mais caro tem impactado o preço dos alimentos. Como isso afeta o custo de produção e o preço que chega à mesa do consumidor?
O dólar impacta basicamente no custo de produção do agro brasileiro, porque a gente importa muito do que nós temos. O fertilizante, que é o principal gasto do agricultor – em torno de 30% do custo de produção – importamos quase 90% de tudo que nós usamos. Então, aumentou o dólar, vai aumentar o custo de fertilizante, defensivos, semente, material genético importado, medicamentos veterinários. Tudo isso tem um custo muito elevado, porque vem de outros países.
A CNA publica boletins periódicos com esses dados, orientando para cada cadeia, cada região, os melhores momentos de comprar para tentar minimizar um pouco desses efeitos. O SENAR faz um papel fundamental de orientação ao produtor, justamente para tentar economizar quando necessário e investir para aumentar a produtividade nos momentos corretos.
A insegurança jurídica no campo, com o aumento das invasões de terras, voltou a ser debatida com a discussão sobre o marco temporal. Quais medidas podem garantir mais estabilidade para os produtores?
A questão das invasões de terra é algo que o setor realmente abomina. Se você quer discutir reforma agrária, a gente senta na mesa, agora invadir terra é crime, não tem diálogo, invasão não se discute, você tem que cumprir a lei. Só em 2023 nós tivemos 72 invasões, ano passado foi 46 e esse ano já está crescendo muito também com uma expectativa de ser maior que no ano anterior. É algo que preocupa, que tira a tranquilidade do produtor, que expõe as famílias, os colaboradores.
Para isso, existe uma série de projetos de lei que nós estamos trabalhando na Frente Parlamentar da Agropecuária, no Congresso Nacional, que vai realmente garantir o direito de propriedade do produtor, criminalizar como atos terroristas essas invasões de terra. A questão do Marco Temporal, que já tem uma lei aprovada, a discussão está no Supremo hoje para que haja um comitê de conciliação entre produtores e entidades que representam indígenas para tentar ver a melhor forma de colocar em prática. A ideia é pensar no modelo que atende os dois lados.
Considerando a conjuntura global e local, quais são os principais desafios e tendências para o agronegócio brasileiro neste ano?
A questão geopolítica está bem complicada. A gente está vendo os Estados Unidos, com a questão de tarifas sobre os produtos de outros países. Isso pode ser tanto com a oportunidade do Brasil ou também podemos ter o risco de termos nossos produtos tarifados que vão para os Estados Unidos. Então, a questão internacional vai ser de suma importância. Fora isso, tem os conflitos armados que sempre geram muita insegurança e instabilidade no mercado internacional. Essa questão do dólar, nesse contexto, se acentua.
No Brasil, o que preocupa é o ajuste fiscal do governo federal, que se não for feito da maneira correta, você vai ter uma Selic mais alta, o que vai aumentar a taxa de juros para o crédito. Tem a questão da inflação que, em função da alta do dólar, em função dos mercados mais preocupados, não vai reduzir no curto prazo. A população, com a inflação mais alta, consome menos produtos básicos, então isso é negativo.
Do lado técnico, nós temos um ano de clima mais favorável e um ano que teremos a COP30 no Brasil. Nós temos que encarar isso como uma oportunidade de mostrar a sustentabilidade do sistema de produção alimentar no Brasil, em como a gente é referência no mundo em agricultura tropical eficiente e na transição energética com base no agro.
Quem
Bruno Barcelos Lucchi tem 42 anos, é graduado em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), com pós-graduação em Produção de Ruminantes pela Escola Superior Luiz de Queiroz (ESALQ/USP). Concluiu mestrado em Agronegócio pela UnB e MBA em Finanças pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Iniciou na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em 2009 e há quase dez anos atua como diretor técnico da entidade.
Fonte: https://tribunadonorte.com.br/