Usina Nova Era não cumpre contrato com seus fornecedores e cana fica no campo
A empresa, que teve seu nome incluído na lista de trabalho análogo à escravidão, não cortou a cana e não deu satisfação, deixando muitos produtores no prejuízo
Com o final da safra de cana-de-açúcar neste início de dezembro, dezenas de produtores de cana-de-açúcar estão com sua produção ainda nos campos, sem conseguir entregar para nenhuma usina, devido a um contrato não cumprido pela usina Nova Era, de Ibaté (SP).
A companhia trabalhava normalmente até que, em 5 de outubro, parou com os cortes e transportes, sem dar nenhuma satisfação aos fornecedores de cana. Vários produtores procuraram a usina para entender o que estava acontecendo, mas nenhuma resposta foi dada a eles.
De acordo com um grupo de produtores rurais (eles preferem não se identificar), que tinham contrato com a usina, várias ligações e mensagens foram feitas para funcionários do administrativo, sem retorno algum. “Simplesmente sumiram, não atendiam telefone, não respondiam via WhatsApp, como se não estivesse acontecendo nada. Um completo absurdo, uma falta de respeito com quem sempre trabalhou com eles”, ressalta um produtor.
Eles contam ainda que, no dia 15 de outubro, entraram em contato com a Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara (Canasol), para que a entidade descobrisse o que estava acontecendo. A resposta veio rápida: a Nova Era estava com seu nome na lista de trabalho análogo a escravidão e, portanto, a usina Santa Cruz, da São Martinho, parou com o recebimento da cana.
Ainda de acordo com os produtores, a Santa Cruz também deixou os fornecedores na mão. “Não quiseram comprar nossa cana, mesmo sabendo de toda a situação que fomos envolvidos, por mais que tentássemos negociar”, afirmam e relatam: “Para alguns produtores, eles disseram que comprariam se colocássemos a cana na esteira da usina. Mas como encontrar maquinário para cortar a cana, já que estávamos chegando ao final da safra? Todos que procuramos, e não foram poucos, já estavam ocupados e sem espaço para contratação”.
Eles também observaram que, quando esse tipo de coisa acontece, usinas se aproveitam do momento de fragilidade do produtor e tentam comprar a cana por menos da metade do preço. “Se quiser vender, pago R$ 60 por tonelada, ou fica com ela na roça”, disse um dos produtores revoltado com a situação.
Também há usinas que negociam um preço, começam a cortar e depois dizem que não têm condições de pagar. Assim, ou o produtor diminui o preço ou fica com apenas um pouco de cana cortada, tendo que lutar para receber o que foi cortado. “É um verdadeiro escárnio o que fazem com nós, os produtores, que trabalhamos o ano todo e no final somos achacados por pessoas e usinas desonestas”, finalizam.
O RCIA procurou representantes da Nova Era na tarde desta terça-feira, 5. A advogada Vanessa Faria disse que “estava em reunião e que posteriormente faria contato com a redação”, mas isso não aconteceu.
Atuação da associação
A diretoria da Canasol, tão logo soube do problema, procurou entrar em contato com as empresas envolvidas para saber o que estava acontecendo e chamou os produtores afetados para tentar uma solução, que infelizmente não foi possível a tempo. “Ficamos com vários produtores com suas safras sem serem colhidas, gerando assim grande prejuízo”, afirmou o presidente da entidade, Luís Henrique Scabello de Oliveira.
A Canasol chegou a realizar uma reunião com os fornecedores, onde também esteve presente a advogada da Nova Era, na tentativa de acertar a situação de seus associados. Os fornecedores de cana que estiveram presentes na reunião afirmaram que nenhuma das ações prometidas pela advogada para ajudar os produtores foram realizadas.
Scabello de Oliveira, que também é presidente da Cooperativa de Crédito dos Fornecedores de Cana e demais Produtores Rurais do Centro do Estado de São Paulo (Credicentro), afirma que se reuniu com sua diretoria e abriu uma linha de crédito emergencial para que os produtores possam pagar seus compromissos e aguardar a próxima safra.
Trabalho análogo à escravidão
Uma operação conjunta realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) e Polícia Federal (PF) em 8 de julho de 2022, resultou no resgate de 18 trabalhadores migrantes de condições análogas às de escravos na cidade de Guariba (SP), a 50 km de Ribeirão Preto (SP).
Os trabalhadores, 17 homens e uma mulher, em sua maioria vindos do Maranhão para trabalhar no corte de cana-de-açúcar, estavam distribuídos em dois alojamentos da cidade, sob a responsabilidade de dois turmeiros (intermediadores de mão de obra). A prestação de serviço acontecia em dois sítios arrendados por uma empresa rural do mesmo grupo econômico da usina Nova Era.
Os cortadores foram trazidos do Maranhão pelos turmeiros, em ônibus clandestinos, pagando as passagens do próprio bolso, com a promessa de trabalho e remuneração dignos por três meses. Chegando em Guariba, o empregador alertou que pagaria apenas o primeiro mês de aluguel dos imóveis e que eles teriam que manter as moradias e a alimentação por conta própria.
Nenhum trabalhador teve o contrato registrado em carteira de trabalho, tampouco receberam equipamentos de proteção individual e ferramentas para execução dos serviços. Além disso, até o momento da diligência, não haviam recebido contrapartida remuneratória.
Os dois alojamentos foram encontrados em situação extremamente degradante. Tratava-se de casebres antigos, com forte odor e sujeira em seu interior. No momento da operação, um dos alojamentos estava sem o fornecimento de água por falta de pagamento.
Todos os trabalhadores dormiam em colchões no chão, muitos deles com baixa densidade (finos), não oferecendo qualquer conforto. Não havia armários, de forma que os trabalhadores espalhavam seus pertences pelo chão. Também não havia alimentos na dispensa, exceto um pouco de arroz e farinha, além de um pacote de carne, contendo orelha e pé de porco, cedido por um dos turmeiros que se “compadeceu” com a situação dos trabalhadores.
O MPT determinou a retirada imediata dos trabalhadores dos dois alojamentos. Os 18 cortadores de cana foram encaminhados para abrigos mantidos pela prefeitura de Ribeirão Preto, onde tiveram acesso a cinco refeições gratuitas por dia.
Após apuração, ficou esclarecido que a empresa José Hilton Souza Zito ME, responsável pela contratação dos trabalhadores, presta serviços terceirizados para as empresas Destilaria Nova Era e Ton Energy Investimento, Participações e Agronegócios referente ao corte, carregamento e transporte de cana, cujo matéria prima é entregue aos destinatários que processam cana conforme indicação das empresas.
Todas as partes foram notificadas a comparecer na sede da Gerência Regional do Trabalho de Ribeirão Preto para tratativas acerca das verbas rescisórias dos trabalhadores resgatados, mas não houve o comparecimento das empresas Destilaria Nova Era e Ton Energy Investimento, Participações e Agronegócios.
Diante do comparecimento somente da intermediadora e da situação emergencial das vítimas, foi assumida responsabilidade solidária pelo cumprimento de obrigações relativas ao pagamento de despesas de transporte (da origem e do retorno) e de dano moral individual de R$ 2 mil para cada um dos 18 trabalhadores.