Cana tem potencial de descarbonização 10 vezes superior ao da energia solar

É o que destaca artigo do MIT, devidamente detalhado pela engenheira Paula Kovarsky

Não é novidade nenhuma destacar o potencial do etanol de cana-de-açúcar como redutor de emissões de dióxido de carbono (CO2). Quando avaliado o ciclo de vida completo (que vai do plantio da cana, produção e à entrega no posto de serviços), o biocombustível reduz as emissões de CO2 em até 90% em relação à gasolina, relata a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).

Em números, enquanto um litro de gasolina gera 2,2 quilos de CO2 lançados na atmosfera, o etanol de cana emite 0,24 gramas. Como o Brasil produziu médios 31 bilhões de litros de etanol por ano entre 2015 e 2019, significa que o biocombustível faz o país deixar de emitir 42,5 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, aponta estudo (leia mais aqui). Enfim, esse montante equivale ao plantio de 260,5 milhões de árvores.
Por sua vez, a eletricidade do sol (a energia solar fotovoltaica) é muito lembrada quando se fala em descarbonização. Não raro, relatos dão conta de que a “a energia solar auxilia na descarbonização por não emitir nenhum gás poluente, oferecendo a melhora da qualidade do ar como um todo”, como destaca o BV.

Vale lembrar que a solar ela avança como fonte geradora no Brasil. Em 2022, por exemplo, 88 novas plantas produtoras entraram em operação no Sistema Interligado Nacional, que abastece as distribuidoras de energia. Assim, a geração solar avançou 64,3% ante 2021 e alcançou 4% da matriz energética nacional, informa a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Sendo assim, dá para dizer que produção renovável em alta faz do Brasil um céu de brigadeiro em descarbonização?

Sim e não.

O sim vale pela produção em si. A Câmara de Comercialização relata que em 2022 a energia renovável ultrapassou 92% do total gerado pelo Sistema Interligado. Por renovável, entenda-se energia solar, hidrelétrica, eólica e de biomassa (em sua maioria feita a partir da cana). Já o não diz respeito às emissões de CO2.

Em termos comparativos, a cana tem potencial 10 vezes maior de descarbonização na comparação com a energia solar. É o que relata artigo feito a várias mãos e publicado na revista da Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Tal potencial é em países de clima tropical por hectare de terra, menciona a engenheira mecânica e de produção Paula Kovarsky em artigo no portal da Editora Brasil Energia (leia aqui).

Como se dá esse ganho potencial da cana? Destacamos a seguir trechos do artigo da engenheira com as devidas explicações.

Estudos anteriores

Com base em estudos de pesquisadores europeus em 2010, o comparativo da energia produzida por hectare a partir de biocombustíveis com células solares fotovoltaicas indicava vantagem de 600 para os painéis solares. Aqui, não se levava em conta as particularidades de cada cultura em cada região.

Ajuste de climas

Em estudo posterior, bastou ajustar a produtividade “genérica” dos biocombustíveis em clima temperado para cana-de-açúcar em países tropicais para que essa vantagem ficasse entre 40 e 140 vezes em termos de energia produzida por área.

Visão de desenvolvidos

A autora lembra que a desigualdade na produção de conhecimento científico entre o norte e o sul globais faz com que a busca de soluções de descarbonização seja pautada majoritariamente pela visão de países desenvolvidos de clima temperado, desconsiderando, portanto, as vantagens competitivas do clima tropical para agricultura.

Fatores

Diante disso, pode-se dividir os fatores que contribuem para aumentar exponencialmente o potencial de descarbonização da cana-de-açúcar por hectare no tempo em três grandes blocos que, combinados, poderão aumentar o potencial de descarbonização por hectare em cerca de 30 vezes.

1 – Produtividade agrícola: a produtividade média da cana-de-açúcar no Brasil é da ordem de 80 toneladas por hectare, quase 10x maior que a do milho, por exemplo, seu maior competidor na produção de etanol.

A biotecnologia tem um papel crítico no aumento da produtividade agrícola. O desenvolvimento de soluções mais robustas para as variáveis ambientais, como irrigação e fertilização, pode elevar ao patamar de 90 toneladas/hectare em 2030.

Até 2050, outras ações com foco em seleção, melhoramento genético e biotecnologia permitirão ganhos ainda maiores de produtividade, que poderão alcançar valores comerciais de 148 toneladas/hectare.

2 – Captura de carbono biogênico (BECCS): todos os cenários de transição apontam para a necessidade de remoção de carbono da atmosfera e, entre as alternativas disponíveis para isso, existe uma grande vantagem de custo para sistemas de BECCS para recuperação do CO2 proveniente da fermentação do etanol, em razão da alta concentração relativa e pureza em que esse gás se encontra disponível no processo.

Isso pode configurar um impulso adicional aos biocombustíveis, muito além da necessidade de energia apenas, potencialmente levando o ciclo de vida do etanol de cana-de-açúcar ao patamar de emissões negativas (é isso mesmo, cada litro de etanol produzido significaria retirar CO2 da atmosfera!).

3 – Ampliar a gama de produtos renováveis produzidos a partir do uso da totalidade da energia contida na cana, e da utilização de todos os subprodutos ou resíduos da produção de açúcar e etanol.

Jornada que tem muito a percorrer

Essa jornada já começou com a produção de energia a partir do bagaço, com o uso mais nobre dessa biomassa para a produção de etanol de segunda geração, com a transformação da vinhaça, subproduto da produção de etanol, em biogás e biometano, substituto perfeito do gás natural fóssil ou matéria prima para a produção de fertilizantes verdes, com a utilização do carbono renovável em matéria prima para a produção de bioplásticos.

E no futuro com a produção de biometanol, e-metanol ou simplesmente extração de hidrogênio da molécula de etanol, todos produtos líquidos capazes de substituir combustíveis fósseis especialmente importantes no caso dos hard-to-abate-sectors (setores que resistem ferrenhamente à descarbonização).

Além disso, a partir do açúcar seria possível desenvolver produtos de alto valor nutricional como carne cultivada.

Ciclo virtuoso

Dessa maneira, a biotecnologia aplicada ao sistema bioenergia-alimentação pode criar um ciclo virtuoso: expansão de bioenergia, produção eficiente de alimentos, otimização do uso do solo (principalmente em terras degradadas de produção de gado) e descarbonização global.

Evolução nas células

No caso das células fotovoltaicas, a engenheira destaca também ser razoável assumir ganhos significativos de produtividade em função da evolução tecnológica.

No entanto, dados todos os investimentos esperados em produção de energia solar e eólica em substituição ao carvão e ao gás natural, as matrizes elétricas vão se tornando mais limpas e o ganho marginal em termos de potencial de descarbonização, ou de substituição de outras fontes mais poluentes, tende a cair muito no tempo.

Comparativo

Sendo assim, quando comparamos adequadamente o efeito de descarbonização da cana-de-açúcar por hectare de terra em clima tropical, utilizando seus produtos em substituição às alternativas fósseis ao efeito potencialmente causado pela produção de energia solar nesta mesma área, conseguimos finalmente demonstrar que a cana-de-açúcar tem potencial de ser uma solução 10x mais eficaz do que os painéis solares.