Vera Malta Cardozo: “Troquei a bicicleta pelos cavalos”

Em um tempo onde não era comum mulher no comando de propriedades rurais, ela conquistou seu espaço na presidência da Companhia Agrícola Fazenda Alpes

Em um passado não tão distante, onde mulheres enfrentaram dificuldades e preconceito para assumirem postos que eram de direito, existia um senso comum de que algumas funções não eram apropriadas para o sexo feminino.

Mas percorrer caminhos do senso comum, não era uma das escolhas de Vera Salomão Malta Cardozo, que hoje está com 91 anos e preside a Companhia Agrícola Fazenda Alpes. Uma propriedade com cerca de 2.500 hectares na região de Santa Lúcia, onde se produz café para exportação e cana-de-açúcar.

Vera conta que nasceu em Rio Claro em 1930, seu pai era farmacêutico e mudaram-se para Santos onde ele montou uma farmácia. “Vivia tranquilamente andando de bicicleta a beira mar, até que fui cursar direito na Faculdade São Francisco em São Paulo, onde conheci meu marido, aí acabou a folia”, brinca ela.

Vera cursou até o terceiro ano de direito, em 1954 casou-se com Francisco Malta Cardozo Neto e deixou os estudos para cuidar da família e morar na Capital Paulista.

Em 1986, acompanhando o marido veio morar na Fazenda Alpes e logo se adaptou ao local “troquei a bicicleta pelos cavalos”, ri Vera, que ainda hoje se lembra com carinho da adolescência na praia.

A fazenda é muita antiga e guarda muitas histórias. Pertenceu a Bento de Abreu Sampaio Vidal, que após sua morte, foi comandada por sua filha, Evangelina Sampaio Vidal Malta Cardozo e que de acordo com seu neto Francisco Malta Cardozo “ela mandava em todos, na minha família as mulheres sempre tiveram voz ativa. Foi minha avó quem negociou e vendeu cotas da Usina Maria Isabel que funcionava na fazenda para a Usina Santa Cruz”, ressalta.

A fazenda com cerca de 2.500 hectares produz cana e café

Quando Vera chegou à fazenda a cultura já era de cana e café, ela conta que acompanhava o marido, mas não tinha muita ligação com a terra. “Eu me interessava pela fazenda, pelo trabalho que meu marido realizava, mas não participava efetivamente, não era comum que as mulheres tomassem a frente. Mas era muito fácil conviver com ele, era muito prestativo, muito acessível, tínhamos uma vida bem normal, dentro dos esquemas de fazenda”.

Ela conta que foi fácil fazer amigos na região, “meu marido era de fácil adaptação, e os proprietários das fazendas vizinhas eram nossos amigos, a vida no campo sempre foi muito boa”.

Após a morte do marido, ela se inteirou dos assuntos e assumiu a presidência da empresa. Vera que mora na fazenda, com toda a segurança diz: “Deixei o mar quase que completamente, às vezes vou passar uns dias na praia, mas hoje, Santos mudou quase que completamente”.

A produtora diz que hoje as mulheres participam mais do agronegócio, e estão certas ao fazê-lo. “Não é como no meu tempo, gosto da idéia que elas participem mais. Tenho várias amigas que cuidam de suas propriedades. Eu sempre estive aqui na fazenda acompanhando a situação, embora tivesse uma atividade menor, mas sempre dei os meus palpites, para o que eu achava que tinha que ser feito. Francisco era um homem de paciência infinita e sempre atendia a meus pedidos”, ressalta Vera.

Francisco Malta Cardozo ao lado da mãe Vera Salomão Malta Cardozo e as irmãs Evangelina Malta Cardozo e Vera Malta Cardozo Pezzoni

De acordo com ela, hoje quem está à frente dos negócios da fazenda é o filho Francisco Malta Cardozo, e as duas filhas Evangelina Malta Cardozo e Vera Malta Cardozo Pezzoni que são diretoras da empresa a qual ela continua presidindo.

Vera completou 91 anos no último 31 de maio, serena, simpática, mostra habilidade em abrir caminhos, mesmo em tempos onde a família brasileira, não tinha como regra mulheres na liderança agrícola. “Hoje elas são muitas e organizadas e isso me deixa muito feliz”, finaliza a produtora.

Em tempos predominantemente machistas, Vera andou lado a lado com marido, abrindo a porteira habilidosamente para um novo despertar.

Por – Suze Timpani/Canasol