Vinhaça e cinzas viram fertilizante em canaviais

Um estudo da consultoria Pecege aponta que a aplicação localizada de vinhaça reduz em 30% o consumo total de fertilizantes

Em um momento de escassez de fertilizantes por causa da guerra na Ucrânia e de preços do adubo disponível nas alturas, algumas usinas de cana estão encontrando em soluções caseiras uma forma de reduzir o impacto da crise sobre custos e produção.

Projetos de reutilização de resíduos como a vinhaça, subproduto da destilação do etanol, e as cinzas resultantes da queima do bagaço da cana na cogeração estão se tornando uma alternativa não apenas agronômica à utilização dos fertilizantes químicos, mas também financeira.

Na BP Bunge Bioenergia, segunda maior processadora de cana do país, com 11 usinas e capacidade total para processar mais de 30 milhões de toneladas de cana por safra, a crise dos fertilizantes acelerou os investimentos na aplicação da vinhaça nas lavouras. O subproduto pode substituir o cloreto de potássio, um dos nutrientes que teve a oferta global mais foi afetada desde que Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia.

Um estudo da consultoria Pecege aponta que a aplicação localizada de vinhaça reduz em 30% o consumo total de fertilizantes, em especial do cloreto de potássio. A alternativa permite a aplicação conjunta com inseticidas, o que também reduz custos. Além disso, a vinhaça ajuda a elevar a produtividade em cerca de 4 toneladas por hectare, em média.

Criada pela união dos negócios de BP e Bunge no segmento, há dois anos, a joint venture já vinha desenvolvendo um plano para aumentar o uso de resíduos próprios, com o objetivo de ampliar a produtividade dos canaviais. E, segundo Rogério Bremm, diretor agrícola da companhia, a aplicação de vinhaça no lugar de fertilizantes minerais é capaz de acrescentar aos índices de produtividade de 3 a 10 toneladas por hectare, além de prolongar a longevidade dos canaviais por até dois anos. “Com a escalada de preços, desde 2021, aceleramos esse processo”.

Na safra atual (2022/23), a BP Bunge Bioenergia deverá aplicar vinhaça em 80% de sua área própria de cana, de 300 mil hectares. Há duas safras, menos da metade da área recebia o resíduo, e no último ciclo, o percentual foi de 65%. O plano é atingir 95% até 2025. Hoje, metade da área recebe vinhaça por aspersão convencional, e a outra metade, de forma localizada (apenas nas linhas de cana), o que otimiza a aplicação.

A companhia também está estudando melhorias na aplicação da torta de filtro (derivada da purificação do caldo de cana) e das cinzas de bagaço nas lavouras. Atualmente, a BP Bunge Bioenergia reúne esses rejeitos em um pátio de compostagem e os aplica em 30% da área de plantio de cana, substituindo fertilizantes fosfatados. O plano é processar essa matéria orgânica e produzir adubos organominerais.

Há ainda um projeto para reduzir o uso dos fertilizantes nitrogenados, como amônia e ureia, cujos preços também dispararam com a guerra. A BP Bunge Bioenergia vinha estudando o uso de bactérias fixadoras de nitrogênio, já usadas na sojicultura, e neste ano vai intensificar seu uso nas lavouras, planejando substituir até 80% dos nitrogenados adquiridos no mercado. Com essas estratégias, Bremm diz que o custo total da empresa com fertilizantes deve até cair nesta safra, e não subir.

A história é semelhante na Cocal, grupo de porte médio com duas usinas no interior paulista que há três anos iniciou um plano de substituição de fertilizantes químicos. “A crise acelerou processos de investimentos”, afirma Jurandir de Oliveira Junior, diretor agrícola da Cocal.

A companhia já aplica vinhaça em 90 mil de seus 100 mil hectares de cana, o que gera uma economia de R$ 700 por hectare, ou de mais de R$ 60 milhões ao ano. Com o benefício e o atual cenário do mercado de fertilizantes químicos, a substituição continuará avançando. “Queremos nos tornar independentes de fertilizantes químicos em três a cinco anos”, afirma o executivo.

A Cocal planeja continuar expandindo a rede de distribuição de vinhaça para o restante da área, a um custo de R$ 1 milhão por hectare, eliminando o uso de cloreto de potássio. Para substituir os nitrogenados, a aposta será no plantio de soja nos momentos de renovação de canaviais e na aplicação de microrganismos fixadores de nitrogênio. Para os fosfatados, a opção é o uso de torta de filtro compostada e de esterco de aves e bovinos, além de microrganismos que fixam fósforo no solo.

Na Tereos, todas as sete usinas do grupo no Brasil já passaram a contar, desde o fim de 2021, com aplicação de vinhaça. “Nosso projeto de vinhaça localizada e também a utilização de todos os compostos orgânicos do nosso processo produtivo nos ajudam a reduzir a dependência dos fertilizantes químicos e nos colocam em uma situação mais confortável”, destaca Renato Zanetti, superintendente de sustentabilidade e excelência operacional da Tereos.

Os investimentos na infraestrutura de distribuição e aplicação de vinhaça e no uso de outros resíduos são relativamente pequenos se comparados aos custos totais de uma usina e aos atuais preços dos produtos químicos. Na BP Bunge Bioenergia, os aportes somaram R$ 56 milhões em três anos, e Bremm estima que o retorno ocorre em até três anos. A Cocal vem investindo R$ 20 milhões ao ano em infraestrutura e equipamentos para uso dos biofertilizantes.

A baixa necessidade de capital permite que pequenas usinas também apostem na alternativa. É o caso da Usina Denusa, de Jandaia (GO), que está em recuperação judicial. Há três anos, a companhia começou um plano de fertirrigação com vinhaça que custou R$ 5 milhões até o momento e já cobre todos os 18 mil hectares que atendem à indústria.

Apesar de o custo dos equipamentos também ter subido, Pedro Barbosa, gerente agrícola da usina, diz que o aporte compensa. A companhia também usa há quatro anos resíduos de indústrias alimentícias e esterco, o que eliminou toda a sua necessidade de fertilizantes fosfatados e 70% no caso de nitrogenados.

“Quando usamos fontes orgânicas de nutrição, levamos vida ao solo. Nossa expectativa é que essa adubação orgânica contribua para o desenvolvimento de microrganismos que ajudam no controle de pragas”, afirma Oliveira Junior, da Cocal.

Fonte: Valor Econômico