Revolução à vista no plantio de cana
Nos próximos anos, sucessivas ondas de novas tecnologias, desenvolvidas no CTC, irão contribuir para elevação da produtividade da cana no Brasil
Aparentemente, é um canavial como tantos que se espalham pelo país. Mas as plantas que crescem em uma das áreas experimentais do CTC em Piracicaba, no interior paulista, carregam a marca de uma revolução. Olhando de perto, é possível perceber que o plantio não foi feito no sistema tradicional, baseado em mudas, mas com “sementes” sintéticas, que se rompem conforme a vida toma forma e dão origem a uma das mais completas matérias-primas do agro brasileiro, fonte de açúcar, etanol e energia, entre outros produtos.
Depois de séculos, a alternativa – realmente – disruptiva, que está sendo gestada nos laboratórios do Centro de Tecnologia Canavieira há mais de dez anos, promete facilitar os trabalhos do produtor, poupar área, facilitar a logística e, com isso, gerar uma economia de bilhões de reais por safra. Até agora, o trabalho foi mantido em segredo, mesmo para grande parte das mais de 300 pessoas que trabalham na sede do CTC no interior paulista. O Valor foi convidado para conhecê-lo e pôde ver todas as etapas do processo conhecido internamente como “Mayoruna”, como eram chamados grupos indígenas da fronteira entre Brasil e Peru.
Antes do “tour”, apresentação conduzida pelo engenheiro químico Sergio Mattar, diretor de planejamento estratégico do CTC, pelo engenheiro mecânico-aeronáutico Suleiman José Hassuani, gerente do rebatizado “Projeto Sementes”, e pela bióloga Adriana Capella, diretora de pesquisa e desenvolvimento da empresa, mostrou que a inovação, baseada na produção de material vegetal em biofábrica, será capaz de gerar benefícios acima de R$ 17 mil por hectare de cana (valores atuais), em razão de melhorias de sanidade e qualidade, eliminação de viveiros, adequação de manejo, aceleração varietal e eficiência na semeadura. No país, a cana ocupa atualmente cerca de 10 milhões de hectares.
“O plantio com sementes desenvolvidas a partir de embriões revolucionará o cultivo da cana, proporcionando significativos ganhos econômicos, operacionais e ambientais. Isso se traduzirá em lavouras mais produtivas, com maior competitividade para açúcar e etanol. E a tecnologia também será a base para o desenho de sementes para outras plantas que se propaguem vegetativamente, como cítricos, eucalipto e cebola, entre outros – no Brasil e em outras partes do mundo”, afirmou Gustavo Leite, CEO do CTC.
Redução de falhas
As pesquisas de laboratório e de campo mostraram que as sementes sintéticas, de cerca de 10 centímetros, são capazes de reduzir em cerca de 2% as falhas nos canaviais, ao mesmo tempo em que proporcionam ganhos de 7% em sanidade, pela menor incidência de pragas e doenças – ou seja, a produtividade pode ser 9% maior que no sistema tradicional, o que já corresponde a um ganho de R$ 7 mil por hectare. Como o produtor não precisará reservar parte de sua área (15%, em média) para os viveiros de mudas, a produção será naturalmente maior, e daqui virão mais R$ 3 mil/hectare.
A ampliação da “janela” de plantio que virá com as sementes poderá agregar mais R$ 1 mil por hectare, e a redução do ciclo para a apropriação total do potencial de novas variedades em pelo menos cinco anos tende a entregar mais R$ 4 mil por hectare. E, segundo os executivos do CTC, outras vantagens econômicas serão oferecidas por benefícios logísticos derivados da eliminação do transporte das mudas e da maior facilidade de planejamento das safras.
“Ocorre que o plantio de cana é complexo e ineficiente, responsável por perdas de cerca de R$ 8 bilhões por safra, segundo estimativas. As sementes vão melhorar muito o processo”, reforçou Sergio Mattar. Na “apropriação do potencial de novas variedades”, destacada na apresentação dos executivos, a vantagem das sementes se tornará cada vez mais evidente com o acelerado ritmo de criação de novas variedades de alta produtividade e resistentes a pragas e doenças, a partir de transgenia ou edição genômica.
“Nos próximos anos, sucessivas ondas de novas tecnologias, desenvolvidas no CTC, irão contribuir para elevação da produtividade da cana no Brasil. Avanços importantes em biotecnologia trarão variedades de cana com novas características desejáveis, como residência a insetos e tolerância a herbicida”, completou Gustavo Leite. Desvendado parte do mistério, a ordem é seguir para os laboratórios onde mais de 90 profissionais de diferentes áreas de conhecimento e países se debruçam sobre os modernos equipamentos que exigiram dezenas de milhões de dólares de investimentos nos últimos anos.
Planta idêntica
Em linhas gerais, a biofábrica instalada em Piracicaba garante a produção de materiais capazes de originar uma planta idêntica àquela da qual se extrai o material para início do processo – que exige inúmeras etapas para multiplicação e preparo para garantir qualidade e possibilitar eficiência de germinação e sanidade. Para que o material biológico possa ser plantado e alcance seu melhor desempenho em campo, mesmo que sob condições variáveis e muitas vezes adversas de clima e solo, é preciso combiná-lo com componentes nutritivos e protetivos, o que garante sua sobrevivência e desenvolvimento e permite armazenamento e plantio mecanizado, tendo em vista o cultivo em grande escala.
“Com esse intuito, diversos dispositivos, mecanismos e equipamentos vêm sendo desenvolvidos com o fim específico de atenderem às necessidades da tecnologia em desenvolvimento. Desde o início do projeto, o CTC vem interagindo com diversas instituições de pesquisa e empresas do Brasil e de diversos países”, realçou a empresa. Conforme Suleiman José Hassuani, os primeiros testes com plantio em larga escala deverão ocorrer já na próxima safra (2023/24). Adriana Capella observa, ainda, que a novidade não precisará passar pelo crivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Embalados pelo “Projeto Sementes”, os custos do CTC com pesquisas e desenvolvimento cresceram 15% no primeiro trimestre desta temporada 2022/23 (encerrado em junho) e alcançaram R$ 40,5 milhões. No período, a empresa, que tem a Copersucar e algumas das maiores usinas sucroalcooleiras do país como sócias, além do BNDES, registrou receita líquida de R$ 78 milhões e lucro líquido de R$ 21,6 milhões. A companhia tem um dos maiores bancos de germoplasma de cana do mundo, e suas variedades, convencionais e transgênica, já dominam os canaviais do país.
Valor Econômico